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Criado: Terça, 29 Janeiro 2019
Carlos Henrique Salles, hoje com 40 anos, se diz atualmente um ex-viciado. Ele consumiu a droga dos 17 aos 19 anos, e circulou pela cracolândia de São Paulo.
"Quando minha família me encontrou, tomei um banho e só lembro que a água saiu muito, muito preta". A sujeira que Carlos Henrique Salles limpava do corpo não era consequência de quedas durante uma "pelada" de futebol ou de uma trilha com amigos, para citar duas atividade de sua rotina. Em 1996, quando a mãe do jovem de 19 anos o encontrou, depois de dois anos de buscas, a vida daquele filho já não estava no caminho traçado pelos pais. Era no meio de construções inacabadas e imóveis abandonados em São Paulo que ele passara os últimos dois anos fumando uma droga devastadora, o crack.ConfFilho de pais separados, Carlos Henrique, hoje com 40 anos, foi um adolescente problemático e abandonou a escola muito cedo, aos 14. Trocou os livros pela maconha e depois pela cocaína, até que, por acaso, um amigo o convidou para experimentar crack. Tinha 17 anos. Na época, a droga ainda nem circulava pelo Rio, mas já se fazia agressivamente presente em São Paulo.— Numa saída de noitada, um colega falou: 'Olha, tem isso aqui, vamos experimentar?'. Usei e, no fim de semana seguinte, já havia separado o dinheiro para usar novamente. Foi tudo muito rápido e comecei a viver em função daquela droga. Fumar o crack é como se eu tivesse dando uns 50 tecos de uma vez só na cocaína. Aquela coisa bem potente e de uma instigação muito severa também. Queria fumar mais e mais e mais — conta ele.
Segundo especialistas, a dependência do crack acontece muito rapidamente: basta usar duas vezes para que a pessoa mude completamente seu comportamento. Com Carlos não foi diferente. Em poucas semanas, ele já havia esquecido a família, os amigos, as pelas de futebol, as trilhas com os amigos... Transformou-se em outra pessoa e passava a maior parte do tempo na cracolândia paulistana. Não se preocupava com higiene, muito menos com alimentação. Água, ficava dias sem tomar. Com 1,88 metro, chegou a pesar 56 quilos. Se perdeu no tempo e só tinha duas preocupações: furtar e fumar.
— Eu não me importava mais com nada, nem ninguém. Para conseguir o dinheiro para usar (o crack), vivia de pequenos furtos de rua. Um certo dia, eu e meu grupo conseguimos acumular uma quantia considerável em dinheiro, compramos uma boa quantidade de pedras e fomos fumar dentro de uma obra inacabada. Na minha cabeça, eu tinha entrado de noite e saído no dia seguinte, mas na verdade eu fiquei lá três dias seguidos. A gente fica desnorteado, alienado. Eu só sei que fiquei dois anos lá (na cracolândia) porque minha mãe disse que fiquei dois anos desaparecido. Para mim, foram só dois ou três meses — relata ele, lembrando que um cobertor e um colchão de berço eram as únicas coisas que carregava junto com as pedras de crack.
A necessidade de consumir a droga era tão doentia que Carlão, como é conhecido entre os amigos, extrapolou todos os limites e chegou a roubar a própria mãe para sustentar o vício.
— Quando minha mãe me achou, a lágrima no rosto dela foi o que me fez querer parar. Até então, não me importava com ela e nem com ninguém. Mas eu me lembro de uma cena dela sentada no meio-fio na Avenida Ipiranga, em São Paulo. Eu estava indo para a boca de fumo, tinha assaltado ela, roubado dinheiro dela. Atravessei para pegar o ônibus e, quando eu olhei para o outro lado da rua, ela estava sentada na calçada chorando. Olhei aquilo e pensei: 'tem alguma coisa errada. Eu não estou certo, estou errado'. Então, voltei e fui na direção dela. Dali para frente ela me conduziu até aqui — lembra, emocionado.
Carlos Henrique voltou para o Rio e sua vida começou a mudar. Foi numa comunidade terapêutica no interior de Maricá, na Região Metropolitana, que ele encontrou a ajuda necessária. Não foi fácil. Depois de dois anos sem usar qualquer droga, recaiu. Mas resistiu ao crack:
— Voltei a usar drogas, mas não usei mais crack. Tomei pavor. Aquilo pra mim foi horrível. No entanto, cheirei muita cocaína e fumei maconha até parar de vez, em 2002. Hoje o que eu sei é que existe saída e eu a encontrei.
Desde então, Carlão permanece na comunidade terapêutica. É conselheiro e trabalha para ajudar quem sofre com os mesmos problemas que um dia viveu. Quebrou barreiras e, este ano, vai encerrar mais um ciclo: a faculdade de psicologia. Durante seu percurso na luta contra o crack, o futuro psicólogo encontrou Jairo Werner, professor-titular e psiquiatra coordenador do Grupo de Estudo e Tratamento de Dependências da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para o especialista, Carlos Henrique é um exemplo de superação.
— Quando ele foi resgatado, passou por um processo muito difícil. Tinha muitas sequelas, muita ansiedade. Mas foi medicado e começou a construir uma outra linguagem a partir de uma comunidade terapêutica, onde também teve um componente religioso. Aos poucos ele foi se reconstruindo. Nós temos muitos "eus'' em nossas personalidade. Então, às vezes, aquele "eu" do drogado, do dependente, do usuário de crack, quer se manifestar de diversas maneiras. A recaída não vem só no uso, vem também no comportamento. Sei que ele luta até hoje. E, se ele bobear, a velha linguagem aparece — ressalta Werner.
Com informações de oglobo.globo.com
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